Como ser humano sou um admirador apaixonado por todas as
obras escritas por este excelente autor!!! "Devo à paisagem as poucas
alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os
entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me
cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus
vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um
panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino:
que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor
caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram
sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma
encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem
tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que
gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal
modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou
nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu
espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente
que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está
o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas
fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso,
mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das
penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes,
Shakespeare... Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da
tua estamenha, Mãe! "
Miguel Torga in "Diário (1942)"
Fonte:http://www.citador.pt/textos/devo-a-paisagem-as-poucas-alegrias-que-tive-no-mundo-miguel-torga Retirado em:12-02-2013
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